sábado, 16 de abril de 2011

Artigo de opinião sobre o documentário “Lixo Extraordinário”, de Lucy Walker:

“Complexidade Extraordinária”
O documentário “Lixo Extraordinário”, filme dirigido por Lucy Walker e co-dirigido por João Jardim e Karem Harley, merece ser apreciado. Trata-se de um longa-metragem capaz de ser, ao mesmo tempo, realista, emocionante e complexo.
Pelo lado realista, apresenta a vida sofrida de pessoas que moram, como é revelado ao artista plástico Vik Muniz, no “fim da linha”. Mas, apesar destes catadores estarem excluídos social e economicamente, nem por isto se deixa de perceber as outras faces embutidas no cotidiano das pessoas que vivem em Jardim Gramacho: a alegria, a solidariedade e a felicidade esculpidas nestas pessoas. Outro aspecto, mascarado pela ideia de que o desenvolvimento é produto do crescimento econômico, diz respeito à dimensão ecológica expressa pelo reaproveitamento do lixo. O realismo é, aqui, o contrário da harmonia e do conformismo, pois há a possibilidade de mudança na vida material dos cooperados, sobretudo a partir da conscientização da sua importância e identidade individual e coletiva com a implantação do projeto, o que revela o valor do inconformismo e da inovação necessários à vida humana.
A emoção se dá a partir do momento em que, permeado por situações individuais dolorosas, o espectador vai penetrando num universo desconhecido junto com Vik. A anormalidade deste universo não está no fato da miséria de suas vidas, mas sim nos seus risos espontâneos, na felicidade que possuem e na esperança de futuro que têm. De repente, a espiritualidade destas vidas nos abrem as portas para uma profunda reflexão sobre nossa civilização ocidental etnocêntrica e economicista. Mais do que isto, nos mostra que viver vale a pena, apesar de tudo.
Cheio de conviver com a ostentação e a arrogância, o luxo e a riqueza, a tristeza e a elitização, Vik resolve buscar uma fuga dos “círculos fechados” e dos “experts” das artes. Tal qual a ciência complexa, dissidente do racionalismo positivista e organicista que põe o estudo do real com base em leis gerais e na mediocracia, Vik se aproxima da subjetividade e das experiências individuais e coletivas dos moradores de Gramacho rumo a novas possibilidades de sínteses e simbioses criadoras, o que lhe fez perceber que, tal como o lixo, a complexidade contida em todo ser humano é extraordinária. De contribuinte, Vik passa a ter a contribuição daquelas pessoas a partir das trocas de experiências que se estabelecem. Quão bom seria para a humanidade e a natureza se as universidades, especialmente as de nosso país, como Vik, pudessem sair do seu “mundinho” cartesiano para uma realidade complexa, em que as teorias científicas e os modelos de pensamento estivessem contextualizados em relação aos problemas fundamentais da vida das pessoas comuns. Assim, cada um de nós poderia se conscientizar de que há uma complexidade extraordinária em cada pessoa.
Autor: Oziel de Medeiros Pontes.